19:44

Sobre Estar Sozinho - Dr. Flávio Gikovate

Não  é apenas o avanço  tecnológico  que marcou o início deste milênio. 
As relações  afetivas também estão  passando por profundas  transformações e revolucionando  o conceito de amor.
 
O  que se busca hoje  é uma relação compatível  com os tempos
modernos,  na qual exista individualidade,  respeito, alegria e prazer   de estar junto,  e não mais uma  relação de dependência,  em que um responsabiliza  o outro pelo seu  bem-estar.
 A  idéia de uma pessoa  ser o remédio para  nossa felicidade, que  nasceu com o romantismo  está fadada a desaparecer  neste início de século.  O amor romântico parte  da premissa de que  somos uma fração e  precisamos encontrar nossa  outra metade para nos  sentirmos completos.
 
Muitas  vezes ocorre até um  processo de despersonalização  que, historicamente, tem  atingido mais a mulher;  ela abandona suas características,  para se amalgamar ao  projeto masculino. 
A  teoria da ligação  entre opostos também  vem dessa raiz: o outro tem   de fazer  o que eu não sei.  Se sou manso, ele  deve ser agressivo,  e assim por diante.  Uma idéia prática  de sobrevivência, e pouco r romântica, por  sinal.
 
A  palavra de ordem deste  século é parceria. 
Estamos  trocando o amor de  necessidade, pelo amor de desejo.   Eu gosto  e desejo a companhia,  mas não preciso, o que é muito diferente.
Com  o avanço tecnológico,  que exige mais tempo  individual, as pessoas  estão perdendo o pavor  de ficar sozinhas, e  aprendendo a conviver  melhor consigo mesmas.  Elas estão começando  a perceber que se  sentem fração, mas  são inteiras.
 
O  outro, com o qual  se estabelece um elo,  também se sente uma  fração. Não é príncipe  ou salvador de coisa  nenhuma. É apenas um  companheiro de viagem. 
O  homem é um animal  que vai mudando o  mundo, e depois tem  de ir se reciclando,  para se adaptar ao  mundo que fabricou.  Estamos entrando na  era da individualidade,  o que não tem  nada a ver com  egoísmo. 
O  egoísta não tem energia  própria; ele se alimenta  da energia que vem  do outro, seja ela  financeira ou moral.
 
A  nova forma de amor,  ou mais amor, tem  nova feição e significado.  Visa à aproximação  de dois inteiros, e  não a união de  duas metades. E ela  só é possível para  aqueles que conseguirem  trabalhar sua individualidade.  Quanto mais o indivíduo for competente  para  viver sozinho, mais  preparado estará para  uma boa relação afetiva.
A  solidão é boa, ficar  sozinho não é vergonhoso.  Ao contrário, dá dignidade  à pessoa.
 
As  boas relações afetivas  são ótimas, são muito parecidas com o ficar sozinho, ninguém exige nada de ninguém e ambos crescem. Relações de dominação e de concessões exageradas são coisas do século passado. Cada cérebro é único. Nosso modo de pensar e agir não serve de referência para avaliar ninguém.
 Muitas  vezes, pensamos que  o outro é nossa  alma gêmea e, na  verdade, o que fizemos  foi inventá-lo ao nosso  gosto. 
Todas  as pessoas deveriam ficar sozinhas de vez em quando, para   estabelecer um diálogo interno  e descobrir sua força  pessoal. 
 Na  solidão, o indivíduo  entende
que  a harmonia e a  paz de espírito só podem ser encontradas dentro dele mesmo, e não a partir do outro. 
Ao  perceber isso, ele se  torna menos crítico  e mais compreensivo  quanto às diferenças,  respeitando a maneira  de ser de cada  um.
 O  amor de duas pessoas  inteiras é bem mais  saudável.
Nesse  tipo de ligação, há  o aconchego, o prazer  da companhia e o  respeito pelo ser amado. 
Nem  sempre é suficiente  ser perdoado por alguém,  algumas vezes você  tem de aprender a  perdoar a si mesmo...